Ontem uma das minhas sobrinhas postiças falou "eu não gosto de velhos" e eu simplesmente fiquei de boca aberta diante do que a menina falou. Tudo bem que ela é pequeninha e tal, tem apenas dois aninhos... mas fez com que eu parasse para refletir um pouco!
Por que não gostar de velhos? E de onde ela tirou isso?? vai saber... Eu acho que to começando a crise dos vinte. Nem sou mais adolescente e nem sou velha. Estou no meio de tudo. Conversando com um querido amigo, falei que tomei decisões que, apesar de dolorosa, foram as corretas e que eu nunca estive tão tranquila quanto a algumas situações que têm ocorrido na minha vida. Descobri que isso não é envelhecer, mas sim amadurecer. E aí lembrei deste trecho:
Instantâneo
(Cidadão Quem)
"Cantem comigo
Que o tempo é um inimigo
Pra quem não entende
Que também é bom envelhecer
O que é antigo
É a base do que é novo
E o novo não existe
Sem que exista eu e você
Todo planeta
Corre direto pro abraço
Do instantâneo jeito novo de viver"
Parei para refletir um pouco. Tudo o que é velho um dia foi novo, foi novidade! E depois que aparecem outros novos ou outras novidades o que outrora fora novo agora é inválido? É ruim? É desnecessário? E aí lembrei de uma música incrivelmente linda (da minha banda favorita, claro):
O velho e o moço
(Los Hermanos)
"Deixo tudo assim
Não me importo em ver a idade em mim,
Ouço o que convém
Eu gosto é do gasto.
Sei do incômodo e ela tem razão
Quando vem dizer, que eu preciso sim
De todo o cuidado
E se eu fosse o primeiro a voltar
Pra mudar o que eu fiz,
Quem então agora eu seria?
Ah, tanto faz
Que o que não foi não é
Eu sei que ainda vou voltar...
Mas eu, quem será?
Deixo tudo assim,
Não me acanho em ver
Vaidade em mim
Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.
Sei do escândalo
E eles têm razão
Quando vêm dizer
Que eu não sei medir
Nem tempo e nem medo
E se eu for
O primeiro a prever
E poder desistir
Do que for dar errado?
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!
Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição
Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir"
Não pretendo concluir, mas tentar refletir! Inclusive, trazer à tona a ideia da madrasta da Branca de Neve como sendo a mãe da personagem principal, tendo uma certa invejinha da beleza da menina. Como que os mais velhos se posicionam em relação ao fato de envelhecer, de ver o tempo passar? E por que o mais novo não sente vontade de aprender com os mais velhos, por que insistem em fazer o contrário dos conselhos que lhe são dados?
O que faz uma criança não gostar de velhos? Pra o velho ser velho, precisou firmar-se numa base que é, justamente, o antigo novo. Entende? Acho que o que tem na cabeça do jovem é a ideia de dispensar a previsão e querer decidir as coisas que lhes são melhores, ou que ele acha que é melhor.
Abraço apertado para você que está lendo e muito boa noite!
Gostei muito dessa imagem, as marcas do tempo em ambas as mãos.
ResponderExcluirSobre envelhecer, gosto muito do que Arnaldo Antunes canta na música que ele fez com Ortinho e Marcelo Jeneci ("Envelhecer"):
"A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer
a barba vai descendo e os cabelos vão caindo pra cabeça aparecer
os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer
os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer
não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer
eu quero é viver pra ver qual é e dizer venha pra o que vai acontecer
eu quero que o tapete voe
no meio da sala de estar
eu quero que a panela de pressão pressione
e que a pia comece a pingar
eu quero que a sirene soe
e me faça levantar do sofá
eu quero por Rita Pavone
no ringtone do meu celular
eu quero estar no meio do ciclone
pra poder aproveitar
e quando eu esquecer meu próprio nome
que me chamem de velho gagá
pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé
com os ralos fios de cabelo sobre a testa que não pára de crescer
não sei porque essa gente vira a cara pro presente e esquece de aprender
que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr..."
Fiquei triste que essa menina, de apenas dois anos, já tenha falado algo tão intenso assim. Já não basta todo o preconceito que a sociedade insere nessas pessoas, saber que uma criança (e assim tão nova) começa a assimilar esse mesmo pré-conceito, é algo que me entristece muito. Não gostar daqueles que muito têm a nos ensinar...
Como a Ecléa Bosi comenta em seu livro "Memória e Sociedade: lembranças de velhos (1994):
“Existem, sim, outras sociedades [...] onde o ancião é o maior bem social, possui um lugar honroso e uma voz privilegiada. Uma lenda balinesa fala de um longínquo lugar, nas montanhas, onde outrora se sacrificavam os velhos. Com o tempo não restou nenhum avô que contasse as tradições para os netos. A lembrança das tradições se perdeu. Um dia quiseram construir um salão de paredes de troncos para a sede do Conselho. Diante dos troncos abatidos e já desgalhados os construtores viam-se perplexos. Quem diria onde estava a base para ser enterrada e o alto que serviria de apoio para o teto? Nenhum deles poderia responder: há muitos anos não se levantavam construções de grande porte, e eles tinham perdido a experiência. Um velho, que havia sido escondido pelo neto, aparece e ensina a comunidade a distinguir a base e o cimo dos troncos. Nunca mais um velho foi sacrificado.” (p. 76-77)
Nesta passagem temos uma boa reflexão de sua relevância social. Outra coisa que o texto me fez lembrar foi de um escrito do Rubem Alves, "Aposentadoria", de seu livro "Ostra Feliz Não Faz Pérola (2008)":
"Não é curioso, que a velhice sendo o destino de todos nós, não haja nada, nas escolas, que nos prepare para essa experiência? Acho que é porque nas escolas, e especialmente as universidades, estão comprometidas em preparar seus alunos para o mercado de trabalho. Acontece que os velhos estão fora do mercado de trabalho. A nossa sociedade define a nossa identidade por aquilo que fazemos, da mesma forma que os objetos são definidos por aquilo que podem fazer. Esferográficas: escrever. Lâmpadas: iluminar. Lâminas de barbear: barbear. Quando esses objetos ficam velhos e não mais podem executar a sua função, são jogados no lixo. Quem deixou de ter função econômica deixou de ter identidade. Vai para um lixo social chamado exclusão.” (p. 257).
Por ventura, o destino ou não de todos nós.
Douglas, acho que ainda não tive a oportunidade de comentar algo contigo... Eis aqui a oportunidade! O que eu gosto de seus comentários (inclusive sobre o meu artigo) é que todos eles tem uma referência teórica, o que deixa o texto ainda mais rico. São muito felizes as suas inferências.
ExcluirMas voltando ao texto, me entristece bastante, também, ver alguém menosprezar outro... Menosprezo, por si só, é muito infeliz, e essa situação ainda mais. Porque o que eu noto hoje é que as crianças num tão "nem aí" para os mais velhos. Vejo que nas escolas e universidades, realmente se aprende e muito. Mas e tudo que está envolvido pelas experiências vividas, tudo o que não é mostrado nessas instituições de ensino?? Onde que tá?? Cadê as experiências vividas??
Todos esses textos que você fez referência, desde a música ao texto de Rubem Alves, retratam muito bem o que eu queria trazer como proposta para discussão aqui!
E duas coisas certas na vida, na realidade uma é incerta... A primeira: todos vamos morrer; a segunda: não ficaremos eternos no presente.
Ainda tô besta com o comentário que você ouviu de uma criança de dois anos e tu não perguntou por quê ou explicou nada para ela? Isso é um absurdo, né por nada não!
ResponderExcluirProvavelmente deve ter aprendido e ouvido das pessoas que estão a sua volta...
É horrível a forma como as pessoas tratam os velhos hoje em dia, eles tem tanto a ensinar, a ouvir. Eu tenho uma paciente idosa, ela chegou porque tinha alguns problemas e hoje eu vejo que ela vai para ter com quem conversar. Alguém que escute. Ouvi já isso de uma professora minha também, que os jovens não escutam mais o que os velhos dizem, acham q é besteira e que eles tão ficando gagás que tão ultrapassados. São poucos os que escutam e olham para eles como quem tem algo ainda a ensinar. Claro que tem uns que valha me Deus! Ficaram ranzinzas com o decorrer da vida, mas nem por isso deveriam ser esquecidos... esse é o pior castigo que alguém pode ter...
Mas também me pergunto se é uma prerrogativa do velho... vejo tantos jovens também sendo esquecidos, tendo suas falas e sua autonomia sendo soterradas em um mundo individualista e competitivo que corre o tempo todo sabe-se lá pra onde!
E, esse livro aí da Éclea Bosi, eu não tive a chance de ler todo, mas ele é lindo! Fantástico! Li praticamente metade e fiquei apaixonada...
Acho agora que cabe a nós jovens fazer algo para tirar esses idosos do anonimato, trazer novamente a historicidade deles para a nossa... aprender e ensinar... Dar a eles uma razão para viver... Mostrar que eles ainda tem muito o que fazer!
Eu sei que a vida cansa e parece que quanto mais velho vamos ficando mais vamos vendo que tudo é um ciclo e que não adianta se estressar e se aperrear com certas coisas, como a Jessy disse, a maturidade chega, mas a vida só acaba quando acaba e até lá devemos viver!
Ru, eu concordo contigo: será um tentativa de resgate da valorização dos velhos.
ExcluirEm relação à "vida cansa", realmente... quem nunca se sentiu cansado? Mas você ser deixado de lado por motivos que não justificam, é muito forte isso. Você já vem notando isso no decorrer do seu trabalho! É o caso dessa senhora que comentasse.
Tem uma música de Os Airados muito interessante:
"Você desaprendeu a rir,
e o riso é uma forma de viver [...]"
A vida cansa sim, e muitos desaprendem a rir... Mas será que os momentos agradáveis, as boas lembranças não podem superar isso??
É... Encontrei nossos papos em alguns momentos do seu texto... Bom saber que o que conversamos não morre no nada do momento...
ResponderExcluirQuanto a ser velho... Vantagens e desvantagens, né?! Convenhamos...
A natureza é sábia e cruel: acrescenta-nos sapiência à medida que nos tira a vitalidade...
A menininha tem razão: velho é muito chato mesmo! Melhor ser ANTIGO!
Abraço tavareano (acho que vou criar um blog com esse título... tá massa, véi!...)
Tavares, você deve saber que eu não deixo os diálogos morrerem no nada do momento. Se não falo na hora, em algum outro momento eu retomo a conversa ou apenas escrevo. Mas não deixo se perderem no nada!
ExcluirPois é, vantagens e desvantagens. Sei disso. Mas como eu comentei anteriormente com Ru, nada que justifique o menosprezo e, talvez, as vantagens superem as desvantagens, há sempre uma forma de recompensar! Concorda?
A natureza é sábia, não acho que seja cruel. O tempo passa e não volta mais, isso fica bem claro a cada manhã que acordamos...
Abraço!